O recente conflito envolvendo Estados Unidos, Irã e Israel trouxe à tona mais uma vez o risco de escalada militar no Oriente Médio. Após intensos bombardeios, ameaças e retaliações, o presidente Donald Trump surpreendeu ao anunciar um cessar-fogo entre os envolvidos. A decisão despertou dúvidas no cenário internacional: por que, após um ataque direto às bases americanas, a resposta dos EUA foi parar a ofensiva?
A resposta a essa pergunta envolve uma combinação de fatores: cálculos estratégicos, pressões políticas internas, efeitos econômicos globais e o jogo diplomático entre grandes potências.
O ataque iraniano e a resposta limitada dos EUA
Na noite de 23 de junho, o Irã lançou mísseis contra bases americanas no Catar. O ataque, segundo o próprio Trump, não causou vítimas e teve impacto material mínimo. Em redes sociais, o presidente afirmou que dos 14 mísseis disparados, 13 foram interceptados e o restante caiu fora de áreas sensíveis. O tom da declaração, que classificou o ataque como “fraco” e “anunciado com antecedência”, indicava que os Estados Unidos não buscariam uma escalada direta.
Analistas interpretaram a retaliação do Irã como simbólica e estratégica, semelhante à adotada em 2020 após a morte do general Qassim Suleimani. Ao realizar um ataque sem mortes, Teerã enviou um sinal político de resistência sem provocar uma guerra em larga escala.
A resposta dos Estados Unidos foi cuidadosamente calibrada. Ainda que tenham realizado ataques contra instalações nucleares iranianas, como Fordo, a retaliação americana foi limitada. Segundo Trump, o objetivo era destruir a capacidade do Irã de produzir armas nucleares, e não provocar uma mudança de regime.
Pressões internas e o peso do trumpismo isolacionista
Um dos elementos mais relevantes para a decisão de interromper a ofensiva contra o Irã vem de dentro dos próprios Estados Unidos. Apesar de ser um defensor da força militar, o ex-presidente Trump lidera uma ala do Partido Republicano que prega o isolacionismo e a rejeição a intervenções externas prolongadas. Figuras como Steve Bannon, influente ideólogo da direita americana, criticaram qualquer tentativa de envolvimento mais profundo no conflito.
Esse setor do trumpismo defende que os EUA devem proteger seus interesses sem se envolver em guerras que drenam recursos e capital político. O próprio Trump, durante seu mandato anterior, prometeu retirar tropas americanas de zonas de conflito e evitar novos “pântanos militares” como Iraque e Afeganistão.
Além disso, parlamentares tanto democratas quanto republicanos manifestaram desconforto com a forma unilateral com que Trump autorizou os ataques ao Irã. Embora a Constituição dos EUA reserve ao Congresso o poder de declarar guerra, muitos presidentes usaram brechas para iniciar ações militares sem aprovação formal. Diante da repercussão negativa, Trump enviou uma carta ao Congresso afirmando que os ataques tinham escopo limitado e objetivo específico.
O risco de uma guerra longa e o dilema geopolítico
Outro motivo para a contenção americana é o temor de entrar em mais uma “guerra eterna”. Especialistas alertam que qualquer tentativa de derrubar o regime iraniano exigiria uma operação terrestre em larga escala, passando por rotas complicadas como o Iraque. Isso traria enormes custos humanos, financeiros e políticos para os EUA.
A história recente comprova esse risco. No Afeganistão e no Iraque, as tropas americanas enfrentaram insurgências prolongadas, instabilidade regional e consequências imprevisíveis. O Irã, com suas alianças e capacidade de resistência, representa um desafio ainda maior.
Adicionalmente, a China e a Rússia condenaram os ataques dos EUA. Embora não tenham demonstrado disposição para intervir militarmente, ambas podem oferecer suporte político, econômico ou mesmo tecnológico ao Irã. Isso aumenta o custo diplomático de uma escalada e complica os cálculos estratégicos da Casa Branca.
O Irã é membro recente do BRICS e mantém acordos de cooperação com potências asiáticas. Pequim, por exemplo, é grande importador de petróleo iraniano e não deseja instabilidade na região. A possibilidade de apoio velado por meio de inteligência, como acesso a dados via satélite, não pode ser descartada.

O Estreito de Ormuz e a ameaça econômica global
Outro fator de peso na decisão de Trump está no impacto que o conflito teria sobre a economia mundial. O Irã ameaça fechar o Estreito de Ormuz, por onde passa cerca de 20% do petróleo comercializado globalmente. Qualquer bloqueio ali afetaria diretamente os preços da gasolina, os mercados financeiros e o abastecimento energético de diversos países.
Especialistas consideram improvável que o Irã feche o estreito, já que isso prejudicaria seus próprios aliados e parceiros comerciais. No entanto, apenas a possibilidade já é suficiente para criar pânico nos mercados e pressionar os líderes mundiais a evitar ações impensadas.
Trump, conhecido por medir impactos econômicos com foco eleitoral, tem plena noção de que um salto no preço do petróleo pode afetar a inflação interna, os combustíveis e a confiança do consumidor. Isso teria efeito direto em sua base de apoio e na condução de sua campanha.
Um cessar-fogo negociado para evitar o colapso
Diante de todos esses elementos — retaliação simbólica do Irã, pressão interna, risco de guerra longa, possibilidade de apoio russo-chinês e colapso econômico — Trump anunciou um “cessar-fogo completo e total”. Segundo ele, tanto Israel quanto o Irã se comprometeram a encerrar as operações militares dentro de um prazo de seis horas.
A mensagem, publicada na Truth Social, buscou apresentar Trump como um pacificador, alguém capaz de encerrar “a guerra dos 12 dias” antes que ela se transformasse em um conflito regional irreversível. Essa narrativa atende às expectativas de sua base, reforça sua imagem de líder forte e evita envolvimento em uma guerra impopular.
A decisão também parece indicar que, ao menos por ora, os Estados Unidos pretendem evitar uma escalada que envolva diretamente grandes potências. O país envia um sinal: continuará a proteger seus aliados e interesses, mas sem se comprometer com campanhas de regime change, que tanto desgastaram a imagem dos EUA em outras décadas.
Apesar do cessar-fogo, a situação continua instável. Israel mantém sua postura ofensiva. O Irã insiste em sua soberania nuclear. E as potências globais seguem observando com atenção qualquer movimentação fora do script.
O episódio mais uma vez confirma que, no cenário contemporâneo, a guerra é tão diplomática quanto militar. E decisões como a de Trump, por mais surpreendentes que sejam, estão ancoradas em uma rede complexa de pressões e interesses.