Na noite de sábado, 21 de junho, os Estados Unidos realizaram um ataque aéreo contra três instalações nucleares do Irã — Fordow, Natanz e Isfahan. A operação, classificada pelo presidente Donald Trump como “muito bem-sucedida”, provocou reações imediatas em todo o mundo. Entre elas, a do governo brasileiro, que emitiu uma nota contundente por meio do Itamaraty. A posição oficial do Brasil condena o ataque, alerta para os riscos à segurança global e ressalta a violação do princípio da soberania nacional.
Esse episódio reacende os debates sobre o uso da força em contextos de proliferação nuclear e coloca o Brasil em uma posição diplomática delicada. Com relações comerciais importantes tanto com os Estados Unidos quanto com o Irã, o país tenta manter uma linha de neutralidade estratégica sem abdicar de seus compromissos históricos com o direito internacional e com o uso pacífico da energia nuclear.
A posição do Brasil e o princípio da não proliferação nuclear
O Ministério das Relações Exteriores brasileiro foi rápido ao se posicionar sobre o bombardeio americano. Em nota oficial, o Itamaraty reafirmou o compromisso histórico do Brasil com o uso exclusivamente pacífico da energia nuclear, ponto central da política externa brasileira desde a redemocratização. O governo reforçou também sua oposição firme à proliferação nuclear, sobretudo em regiões onde o contexto geopolítico é volátil, como o Oriente Médio.
A condenação brasileira se baseia em fundamentos do Direito Internacional. Para o Itamaraty, um ataque militar contra instalações nucleares — ainda que não resultem imediatamente em explosões atômicas — representa uma grave ameaça à população civil, por potencial exposição à radiação e risco de desastres ambientais de larga escala. Além disso, tal ação fere o princípio da soberania, já que foi realizada sem autorização do Conselho de Segurança da ONU ou solicitação do país-alvo.
Ainda segundo a nota, ações unilaterais como essa contribuem para o enfraquecimento dos regimes multilaterais de desarmamento e aumentam a tensão entre blocos regionais. O Brasil reforçou seu apelo por uma solução diplomática ao conflito, pedindo moderação às partes envolvidas e respeito aos acordos internacionais vigentes, como o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP).

Relações entre Brasil, Irã e Estados Unidos em um cenário geopolítico complexo
O ataque norte-americano chega em um momento delicado para as relações internacionais. O Brasil vem reconstruindo gradualmente suas relações com o Irã após um período de distanciamento durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Desde o início de 2025, representantes dos dois países vêm mantendo encontros frequentes em Brasília, principalmente em preparação para a Cúpula dos Chefes de Estado do Brics, marcada para julho no Rio de Janeiro.
O Irã passou a integrar oficialmente o bloco Brics em 2024, ampliando sua presença nos fóruns multilaterais fora da influência direta dos Estados Unidos. Essa adesão foi saudada pelo presidente iraniano, Masoud Pezeshkian, como uma “resposta ao totalitarismo americano”. A entrada do Irã no grupo também é vista como estratégica para o país persa, especialmente no que diz respeito à cooperação em áreas como infraestrutura, saúde e agroindústria.
Por outro lado, os Estados Unidos continuam sendo o segundo maior parceiro comercial do Brasil, com um fluxo de comércio superior a 80 bilhões de dólares em 2024. Essa realidade coloca o Brasil em uma posição de equilíbrio delicado: condenar abertamente a ação americana sem comprometer os laços econômicos bilaterais.
O governo brasileiro tem buscado desempenhar um papel moderador em crises internacionais. Com a presidência rotativa do Brics neste ano, o Brasil vê no bloco uma oportunidade de fortalecer sua atuação diplomática autônoma, baseada no respeito ao direito internacional, na solução pacífica de conflitos e na construção de um mundo multipolar.
A ofensiva americana e os objetivos estratégicos por trás do ataque
O presidente Donald Trump, em seu pronunciamento à nação, afirmou que os bombardeios contra o Irã tinham como alvo “o coração do programa nuclear iraniano”. As instalações de Fordow, Natanz e Isfahan foram atingidas com precisão cirúrgica, segundo o Pentágono. Essas estruturas são responsáveis pelo enriquecimento de urânio — processo necessário para produção de energia nuclear, mas também crucial para a fabricação de armas nucleares, dependendo do grau de pureza alcançado.
A justificativa apresentada pela Casa Branca foi a de impedir que o Irã alcançasse capacidade operacional para produzir uma ogiva nuclear. O governo americano considera o regime iraniano como o “principal patrocinador estatal do terrorismo” e classificou a ofensiva como uma ação preventiva. A linguagem usada por Trump deixou claro o tom intimidador: “Se não houver paz, os próximos ataques serão ainda maiores.”
É importante ressaltar que os Estados Unidos vinham tentando, nos últimos meses, reativar o Acordo Nuclear com o Irã, formalmente conhecido como Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA). O tratado havia sido abandonado pelo próprio Trump em 2018. Com o fracasso das novas negociações, e a intensificação da retórica agressiva por parte do Irã, o governo americano optou por uma solução militar direta.
Esse tipo de decisão, porém, contraria a maioria das posições defendidas por aliados históricos dos EUA na Europa. França, Alemanha e Reino Unido expressaram preocupações com o impacto da escalada militar e alertaram para o risco de colapso total do regime de não proliferação nuclear no Oriente Médio.
A reação global e o papel do Brasil no cenário internacional
Além do Brasil, China e Rússia também condenaram os ataques americanos com veemência. Ambos os países fazem parte do Brics e são críticos da presença militar dos Estados Unidos na Ásia Ocidental. A condenação conjunta desses três países — todos membros de destaque em fóruns multilaterais — sinaliza um movimento coordenado de contestação ao uso unilateral da força.
A posição do Brasil ganha ainda mais relevância por ser percebida como equilibrada e orientada por princípios. Diferente de outras potências regionais, o Brasil não possui ambições nucleares militares e tem uma política externa tradicionalmente voltada para o multilateralismo e o respeito à autodeterminação dos povos.
Com a realização da Cúpula do Brics no Rio de Janeiro, o país terá a oportunidade de articular uma resposta coletiva à crise, apresentando propostas de resolução pacífica, controle internacional do material nuclear e reforço aos mecanismos de monitoramento da AIEA. O tema promete ser um dos mais debatidos entre os chefes de Estado presentes no evento.
Além disso, cresce a expectativa de que o Brasil possa exercer uma mediação informal entre os interesses ocidentais e os de nações como o Irã, China e Rússia. Isso exigirá habilidade diplomática e capacidade de manter canais de diálogo abertos com todos os atores relevantes — algo que o governo brasileiro vem tentando construir com base na credibilidade acumulada em anos de atuação multilateral.
O ataque dos Estados Unidos ao Irã representa um novo capítulo nas tensões geopolíticas do século XXI, onde a disputa pela hegemonia, o controle de tecnologias sensíveis e a segurança regional se entrelaçam em um tabuleiro cada vez mais complexo. O Brasil, com sua postura de equilíbrio e respeito às normas internacionais, reafirma sua intenção de contribuir para a paz e a estabilidade — mesmo diante de um cenário de polarização crescente.