Quando Israel lançou sua ofensiva militar contra o Irã em 13 de junho, o estopim do conflito foi um conjunto de documentos ultra-secretos que, segundo Tel Aviv, revelavam que o regime iraniano havia ultrapassado um limite crítico em seu programa nuclear. Esses documentos, denominados de forma genérica como dossiê secreto, teriam convencido não apenas os comandantes militares israelenses, mas também os Estados Unidos e aliados ocidentais, de que Teerã estava próximo de construir uma arma atômica funcional.
Esse conteúdo sigiloso, que não foi acessado diretamente pela imprensa, gerou controvérsias internacionais. Enquanto Israel defendia que a ameaça era iminente, setores da inteligência americana e europeia demonstraram ceticismo. A seguir, detalhamos o conteúdo desse dossiê, os desdobramentos técnicos que ele apresenta e por que ele causou tamanha comoção no cenário geopolítico global.
O que o dossiê revela sobre o programa nuclear do Irã
De acordo com fontes ligadas ao governo israelense, o dossiê secreto continha duas provas consideradas alarmantes. A primeira era a informação de que uma equipe de cientistas iranianos teria enriquecido uma quantidade significativa de urânio, cujo grau de pureza estava além do monitoramento da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Isso indicaria uma possível ocultação de material físsil fora do escopo de inspeção internacional.
A segunda prova apontava para a preparação de uma reunião estratégica entre esses cientistas e comandantes da força de mísseis balísticos do Irã. O objetivo seria planejar a junção de uma ogiva nuclear a um míssil, etapa fundamental no processo de militarização. A perspectiva de acoplar uma carga nuclear a um míssil Shahab-3 — com capacidade de atingir Israel — representava um divisor de águas para os estrategistas militares israelenses.
Do ponto de vista técnico, a integração de uma ogiva nuclear em um míssil balístico é um desafio extremamente complexo. Envolve miniaturização do dispositivo, resistência a altas acelerações, sistemas de detonação seguros e compatibilidade com os sistemas de guiagem do míssil. O dossiê indicaria que o Irã estava a ponto de iniciar essa fase, o que elevou o nível de alerta em Tel Aviv ao máximo.
Antecedentes e evolução do programa nuclear iraniano
Embora grande parte do programa nuclear do Irã já fosse conhecida desde os anos 2000, o dossiê israelense apresenta informações inéditas. Dados antigos apontam que o Irã desenvolveu o chamado Projeto AMAD até 2003, quando o interrompeu por receio de um ataque americano. Após essa data, as atividades teriam sido continuadas de forma mais fragmentada e secreta sob a Organização de Inovação e Pesquisa Defensiva do Irã (SPND), um órgão teoricamente civil.
De acordo com o dossiê, um grupo seleto de cientistas teria mantido experimentos e pesquisas sensíveis sob camuflagem civil, como projetos na área biomédica e tecnologia de lasers. Isso dificultou o rastreamento internacional e forneceu margem para que o desenvolvimento de tecnologias de uso dual (civil e militar) continuasse em paralelo.
Um nome recorrente nos documentos é o de Mohsen Fakhrizadeh, físico considerado o pai do programa nuclear iraniano, assassinado por Israel em 2020. Fontes israelenses afirmam que Fakhrizadeh coordenava um “Grupo Especial de Progresso” destinado a retomar rapidamente o projeto de uma bomba atômica, caso houvesse sinal verde político do líder supremo do Irã, Ali Khamenei.
O dossiê afirma que esse grupo teria acelerado suas atividades no final de 2024, após ataques israelenses que danificaram instalações iranianas e a perda de efetividade das milícias aliadas ao Irã, como Hezbollah e Hamas. Esse cenário teria gerado um senso de urgência entre os militares iranianos e alimentado a ideia de criar uma arma de dissuasão.
A polêmica internacional e o ceticismo de aliados
Apesar da gravidade das alegações contidas no dossiê secreto, agências de inteligência ocidentais demonstraram hesitação. Autoridades americanas, como a diretora de inteligência nacional Tulsi Gabbard, reafirmaram que não havia evidências concretas de que o Irã estivesse produzindo uma arma nuclear.
Em paralelo, veículos como o New York Times e a CNN noticiaram divergências internas na administração americana sobre o peso a ser dado aos documentos apresentados por Israel. Para muitos analistas, o conteúdo do dossiê poderia estar sendo interpretado de forma alarmista por Tel Aviv.
Segundo o físico David Albright, respeitado consultor de inteligência nuclear, embora muitas informações sejam plausíveis e compatíveis com investigações passadas, algumas revelações — como a existência de material nuclear fora do controle da AIEA e o encontro iminente entre cientistas e militares — ainda carecem de confirmação independente.
Essa diferença de interpretações levanta o debate sobre o chamado “viés de confirmação”. Israel, diante da ameaça constante representada pelo Irã, tende a adotar a interpretação mais cautelosa possível. Autoridades israelenses alertam para o risco de alcançar um “ponto sem retorno”, momento em que impedir o Irã de fabricar uma bomba se tornaria impossível.
Essa visão é compartilhada por membros do governo de Binyamin Netanyahu, conhecido por sua postura agressiva em relação à segurança nacional. O apoio da comunidade de inteligência israelense à guerra é visto como sinal de consenso interno, embora analistas independentes não descartem a possibilidade de pressões políticas influenciando essa unidade de discurso.

Consequências estratégicas e impacto militar
A revelação do conteúdo do dossiê mudou drasticamente o jogo geopolítico no Oriente Médio. As forças armadas israelenses, tradicionalmente cautelosas quanto a ações de grande escala, demonstraram confiança inédita ao lançar ataques coordenados contra instalações nucleares subterrâneas em Natanz e Fordow.
Segundo fontes ligadas ao Estado-Maior de Israel, esses ataques não apenas destruíram parte da infraestrutura física, mas também eliminaram alvos humanos considerados estratégicos — incluindo cientistas e comandantes envolvidos no projeto nuclear.
Para Israel, a guerra não se resume à destruição de usinas, mas ao atraso estrutural e psicológico do programa iraniano. A intenção seria ganhar tempo e dissuadir o Irã de avançar novamente, forçando o país a recomeçar do zero em caso de retomada do projeto.
Essa estratégia, porém, traz riscos. O Irã pode buscar alternativas de reconstrução acelerada, utilizar proxies regionais para retaliar ou até recorrer à guerra cibernética. Além disso, o apoio americano ao ataque israelense também é alvo de críticas dentro dos EUA, onde cresce o temor de um novo conflito prolongado no Oriente Médio, semelhante ao que ocorreu no Iraque após 2003.
A experiência com dossiês passados, como o das supostas armas de destruição em massa do Iraque, serve de alerta para a comunidade internacional. O impacto real das informações apresentadas por Israel ainda será medido com o tempo, mas o simples fato de ter desencadeado uma guerra mostra o poder que documentos de inteligência têm sobre decisões militares de alto risco.
Israel, com sua postura preventiva, acredita ter neutralizado uma ameaça existencial. Já o Irã nega as acusações e promete vingança. O Oriente Médio, mais uma vez, entra em uma fase de instabilidade com consequências imprevisíveis.