A crise humanitária na Faixa de Gaza e as recentes declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva reacenderam o debate sobre a postura diplomática do Brasil frente ao conflito entre Israel e Palestina. Em meio ao acirramento das tensões internacionais, candidatos à presidência do PT publicaram um manifesto no qual exigem do governo brasileiro uma medida drástica: o rompimento das relações diplomáticas e comerciais com o governo de Benjamin Netanyahu.
O posicionamento público, divulgado no dia 16 de junho, antecipa o clima político que marca a disputa pela presidência nacional do Partido dos Trabalhadores, cuja eleição está marcada para 6 de julho. O texto, intitulado “Em defesa do povo palestino”, alinha-se à nota do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que em 6 de junho solicitou formalmente ao Itamaraty a reavaliação dos vínculos diplomáticos com Tel Aviv, além da suspensão de acordos comerciais, sobretudo os que envolvem armamentos.
Reações dentro do PT e os limites da política externa
Os cinco postulantes ao comando nacional do PT — Rui Falcão, Edinho Silva, Romênio Pereira, Valter Pomar e Washington Quaquá — subscreveram o documento. O manifesto cita diretamente a declaração de Lula feita no último dia 5, quando o presidente classificou a ofensiva de Israel em Gaza como “um genocídio premeditado”.
Embora a declaração presidencial tenha causado grande repercussão internacional, especialmente com críticas do governo israelense, os signatários do documento afirmam que ainda existe uma incoerência grave entre o discurso e a prática: o Brasil continua adquirindo produtos do complexo industrial-militar de Israel, inclusive armamentos utilizados por forças policiais e militares.
Para os autores do manifesto, essa relação comercial compromete a coerência da política externa brasileira com os valores históricos do PT. Segundo o texto, “não é possível condenar veementemente o massacre de civis palestinos e, ao mesmo tempo, manter relações diplomáticas e comerciais com o principal responsável”.
O documento destaca ainda que o Brasil deveria adotar medidas concretas, como forma de pressão diplomática, a exemplo do que já ocorreu em outros momentos da história da política externa brasileira, quando governos romperam relações com países acusados de crimes contra a humanidade ou violações sistemáticas de direitos humanos.
O papel do Brasil e a crise humanitária na Palestina
O apelo dos candidatos à presidência do PT se baseia em dados alarmantes. De acordo com o manifesto, já são mais de 55 mil palestinos mortos em Gaza e na Cisjordânia em 20 meses de conflito. O documento também denuncia que um terço das vítimas fatais são crianças, muitas delas mortas não apenas por bombardeios, mas também por doenças e fome agravadas pelo bloqueio israelense.
Os signatários mencionam a apreensão de uma embarcação civil com ajuda humanitária em águas internacionais, interceptada por forças israelenses. Entre os tripulantes, estava o brasileiro Tiago Ávila, conhecido ativista da causa palestina. O episódio é citado como exemplo claro da agressividade das ações israelenses mesmo diante de missões humanitárias protegidas por convenções internacionais.
O bloqueio à Faixa de Gaza é apresentado como uma violação sistemática do direito internacional humanitário. Ao impedir a entrada de alimentos, medicamentos e recursos básicos, Israel compromete as condições mínimas de sobrevivência da população palestina. Nesse sentido, o documento questiona o silêncio e a inércia da comunidade internacional — e cobra do Brasil uma posição mais ativa, não apenas retórica.
Complexo militar israelense e os contratos com o Brasil
Outro ponto central do manifesto é a crítica aos contratos firmados entre o Brasil e o setor militar israelense. As aquisições de tecnologia de defesa, veículos blindados, armas letais e sistemas de monitoramento são apontadas como contradições da política externa brasileira, que historicamente defendeu o multilateralismo e o respeito aos direitos humanos.
Nos últimos anos, empresas israelenses especializadas em equipamentos militares e cibersegurança ampliaram sua presença no mercado brasileiro, fornecendo produtos tanto para as Forças Armadas quanto para polícias estaduais. Esse tipo de comércio é altamente sensível, pois envolve não apenas tecnologia, mas também decisões políticas sobre segurança e soberania nacional.
Para os candidatos à presidência do PT, a manutenção desses contratos representa uma quebra dos princípios do partido e uma afronta às posições defendidas historicamente pelos seus militantes e parlamentares. Eles pedem que o governo federal suspenda imediatamente qualquer relação comercial com empresas ligadas ao governo de Benjamin Netanyahu, especialmente as que atuam no setor de defesa.
A carta deixa claro que o rompimento com Israel não se trata de hostilidade ao povo israelense, mas sim de uma medida política contra o atual governo, acusado de práticas que ferem o direito internacional e promovem uma ocupação violenta e sistemática dos territórios palestinos.

Eleições internas e o impacto no posicionamento externo do PT
Com a eleição para a presidência nacional do PT marcada para o próximo mês, a publicação do manifesto insere o tema do conflito no Oriente Médio no centro do debate partidário. Todos os cinco candidatos têm longa trajetória dentro da legenda, com experiências em cargos legislativos, executivos e de articulação interna.
A disputa não se dá apenas entre nomes, mas entre diferentes visões sobre o futuro do partido, sua relação com o governo Lula e seu papel nas disputas geopolíticas globais. Ao colocar o tema da Palestina como prioridade, os candidatos sinalizam que a política internacional deve ocupar lugar de destaque na próxima gestão partidária.
Essa pressão pode forçar o governo Lula a adotar uma postura mais firme, principalmente se o novo presidente do partido assumir uma linha mais combativa. O manifesto também tenta influenciar a opinião pública, especialmente a militância petista, historicamente solidária à causa palestina e crítica às ações do governo israelense.
Embora o rompimento diplomático seja uma medida extrema e rara no campo da diplomacia, a crescente pressão interna dentro do PT pode alterar o cálculo político do Palácio do Planalto. O momento é sensível, com eleições municipais se aproximando e o Brasil buscando manter protagonismo nos fóruns internacionais.