As tensões na região amazônica da tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia ganharam novo capítulo após denúncias feitas por comunidades indígenas peruanas, que acusam o Exército Brasileiro de ter atravessado o limite territorial e confiscado pertences de civis. A situação foi revelada por lideranças locais da província de Ramón Castilla, no Peru, e registrada em vídeo, gerando ampla repercussão na mídia daquele país.
Segundo os relatos, os militares brasileiros estariam realizando abordagens dentro do território peruano, o que provocou reações de autoridades e habitantes da região. Em meio a uma área marcada por baixa presença estatal, fronteiras naturais e povos tradicionais com relações binacionais, a delimitação de responsabilidade torna-se um desafio geopolítico.
Acusações e denúncias das comunidades do Yavarí
A principal denúncia partiu de Teddy Alvarado, tenente-governador da comunidade de Nueva Esperanza, às margens do rio Yavarí. De acordo com Alvarado, os militares brasileiros estariam interceptando embarcações peruanas, exigindo documentos e até retirando alimentos transportados por ribeirinhos. Esses episódios, segundo ele, não seriam isolados, mas sim recorrentes nos últimos anos.
O vídeo divulgado pelo portal Exitosa, do Peru, mostra supostos integrantes do Exército Brasileiro interagindo com civis e solicitando identificação. Apesar de o conteúdo ainda carecer de verificação oficial independente, ele reforçou a percepção de que a fronteira amazônica está desprotegida do ponto de vista da soberania nacional peruana.
Os moradores da região argumentam que a atuação brasileira estaria ultrapassando o limite natural formado pelo rio Yavarí, que marca a divisão entre os países. Nessa faixa remota, é comum que comunidades tradicionais vivam e circulem em ambos os lados, mantendo relações sociais, culturais e econômicas contínuas. Isso dificulta a aplicação rígida de fronteiras e gera frequentes disputas sobre a jurisdição de patrulhas militares e policiais.
Teddy Alvarado cobrou do governo do Peru a criação de um posto permanente de controle fluvial, sob comando das Forças Armadas Peruanas, para impedir futuras incursões e proteger os direitos das comunidades nativas.
Posição oficial do Exército Brasileiro
Após a repercussão da denúncia, o Exército Brasileiro foi procurado pela imprensa e divulgou nota oficial negando qualquer operação fora dos limites do território nacional. De acordo com o Comando Militar da Amazônia (CMA), todas as ações conduzidas na região respeitam os acordos internacionais e têm como foco o combate aos crimes transfronteiriços.
A nota cita que as atividades estão embasadas pelas Leis Complementares 97/1999, 117/2004 e 136/2010, que regulam a atuação das Forças Armadas em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), além de autorizar o apoio no enfrentamento a crimes ambientais, tráfico de drogas, contrabando de combustível e extração ilegal de madeira.
Segundo o comunicado, as tropas utilizam tecnologia de georreferenciamento para registrar a localização exata de cada operação. Isso permitiria comprovar que não houve transgressão da linha divisória entre Brasil e Peru. O Exército também afirmou manter cooperação direta com os Exércitos Peruano e Colombiano, reforçando o compromisso com os tratados internacionais vigentes.
O texto também enfatiza que todas as operações têm como princípio o respeito às populações indígenas e ribeirinhas, reconhecendo a complexidade da convivência em áreas de contato cultural e histórico entre os povos da Amazônia.
Desafios logísticos e disputas territoriais na região do Javari
A região do Vale do Javari, localizada na porção oeste do estado do Amazonas, é uma das mais isoladas e sensíveis da Amazônia brasileira. Com grande concentração de povos indígenas isolados, áreas de preservação ambiental e presença crescente de atividades criminosas, o local se tornou prioridade para ações militares e de fiscalização.
Devido à ausência de infraestrutura, à vastidão territorial e à proximidade com as fronteiras do Peru e da Colômbia, o monitoramento da área exige alto grau de articulação entre órgãos do Estado. A atuação das Forças Armadas na fronteira é, portanto, vista pelo governo brasileiro como estratégica para a defesa da soberania nacional.
No entanto, essa militarização tem gerado preocupações entre lideranças comunitárias e organizações indígenas, que denunciam falta de diálogo e risco de violações de direitos. Em áreas onde não há clareza quanto aos marcos de fronteira, abordagens mal conduzidas podem ser interpretadas como ações invasivas, prejudicando a confiança entre as comunidades e o poder público.
Além disso, há o risco de que grupos criminosos usem as acusações de transgressão como instrumento de desinformação para enfraquecer as ações de patrulhamento na região. O tráfico de drogas, por exemplo, costuma explorar a ambiguidade territorial para montar rotas de escoamento e esconderijos em zonas de difícil acesso.
Interação entre comunidades binacionais e desafios à soberania
Um aspecto crucial que contribui para os conflitos fronteiriços é a própria natureza das comunidades amazônicas, que frequentemente compartilham laços culturais e familiares entre diferentes países. Ao longo do rio Yavarí, é comum que famílias possuam membros vivendo em ambos os lados da fronteira, e que atividades de pesca, comércio e troca de alimentos ocorram livremente.
Esse cenário exige políticas públicas e protocolos de atuação que considerem as especificidades da vida ribeirinha, respeitando os modos de existência tradicionais sem comprometer a segurança nacional. Na prática, a separação entre “lado brasileiro” e “lado peruano” nem sempre é perceptível aos moradores, o que abre margem para disputas sobre quem estaria operando em território alheio.
Os relatos de comunidades peruanas indicam que há uma lacuna de governança na região, agravada pela ausência de presença efetiva do Estado peruano. Essa situação pode favorecer interpretações errôneas sobre a movimentação de tropas brasileiras, que realizam patrulhamento em áreas de fronteira com apoio aéreo, terrestre e fluvial.
Nesse contexto, é essencial que haja coordenação multinacional, com canais permanentes de comunicação entre os exércitos dos países envolvidos, além da implementação de medidas conjuntas de fiscalização. A instalação de postos de controle binacional, por exemplo, poderia facilitar a identificação de limites e o registro de incidentes, reduzindo a tensão e protegendo os direitos das populações.

Tecnologias e protocolos de patrulhamento utilizados pelo Exército Brasileiro
A atuação do Exército Brasileiro na Amazônia é respaldada por um conjunto de tecnologias e protocolos específicos para operações em ambiente de floresta e fronteira. Entre os recursos empregados, destacam-se os sistemas de georreferenciamento, radares móveis, sensores de calor, drones de reconhecimento e embarcações de patrulha fluvial.
Além disso, o treinamento das tropas leva em consideração a diversidade étnica e cultural da região. Soldados que atuam na Amazônia recebem instruções sobre relações com comunidades tradicionais, normas internacionais de direitos humanos e técnicas de sobrevivência em selva.
O Exército também atua em parceria com outros órgãos, como o IBAMA, a FUNAI e a Polícia Federal, para garantir que as operações tenham caráter interinstitucional e estejam alinhadas com a legislação ambiental e indígena. Esse modelo busca equilibrar os interesses da segurança nacional com a preservação de direitos fundamentais, embora desafios operacionais e políticos ainda dificultem sua plena aplicação.
Enquanto as denúncias das comunidades peruanas permanecem sob apuração, o caso reforça a importância de transparência e diplomacia ativa entre os países amazônicos. A integridade das fronteiras depende não apenas da presença militar, mas também do reconhecimento da complexidade sociocultural que marca a vida nos confins da selva.
POR: ICL Notícias