Roubo milionário de armas em quartel de Barueri expõe falhas de segurança e leva militares à Justiça
O maior furto de armamento militar da história recente do Brasil ocorreu em pleno feriado da Independência, dentro de um dos arsenais mais estratégicos do país: o Arsenal de Guerra de São Paulo (AGSP), em Barueri. O caso revelou uma teia de corrupção, omissões e vínculos perigosos entre membros das Forças Armadas e o crime organizado.
O escândalo, agora julgado pela Justiça Militar, resultou na condenação de nove envolvidos, entre eles quatro militares — dois deles ex-cabos do Exército — e cinco civis com conexões diretas com o mercado ilegal de armas. A palavra-chave “Justiça Militar” está no centro das buscas e discussões sobre o caso, que expôs as fragilidades no controle de armamentos e os riscos de infiltração de criminosos em estruturas estatais.
O furto no AGSP: brecha na segurança em plena data comemorativa
O crime ocorreu em 7 de setembro de 2023, data emblemática para o Exército Brasileiro. Durante o feriado da Independência, quando a maioria das tropas estava mobilizada em desfiles e atividades cívicas, dois cabos do Exército — Vagner da Silva Tandu e Felipe Ferreira Barbosa — aproveitaram a redução no efetivo e o relaxamento dos protocolos de segurança para executar o plano.
Eles tinham acesso facilitado ao quartel. Um era motorista do diretor do Arsenal de Guerra e o outro atuava na Seção de Transporte. Com conhecimento da rotina e das falhas de vigilância, conseguiram arrombar o depósito da reserva de armamento da unidade, desligar os alarmes e carregar 22 armas pesadas — incluindo 13 metralhadoras calibre .50 e oito metralhadoras 7,62 MAG — na caçamba de uma caminhonete oficial, cobertas por uma lona.
A operação ocorreu sem qualquer tipo de revista na saída do quartel, devido a uma ordem anterior do tenente Cristiano Ferreira, chefe da Seção de Inteligência, que determinou que o veículo do diretor não fosse inspecionado. Essa omissão foi fundamental para o sucesso do furto.
As armas e seu destino: crime organizado e planos de exportação
O arsenal furtado não era composto por armamentos comuns. Entre as 22 armas desviadas estavam modelos de uso exclusivo das Forças Armadas, com grande poder de destruição e alto valor no mercado ilegal. Uma metralhadora Browning calibre .50, por exemplo, pode custar até R$ 150 mil no submundo do tráfico.
Segundo as investigações da Justiça Militar, parte das armas foi oferecida a membros do Comando Vermelho, uma das principais facções criminosas do Brasil. O restante seria enviado para o Paraguai, com fins de revenda para grupos armados da região.
A entrega foi feita em duas etapas: a primeira com 12 metralhadoras e um fuzil, deixadas em Jandira, e a segunda com o restante, na cidade de Itapevi. As armas foram desmontadas e guardadas em uma oficina mecânica de um dos civis envolvidos, Silvio Simões. Lá, os equipamentos passaram por avaliação e começaram a ser comercializados por valores que variavam de R$ 50 mil a R$ 120 mil por unidade.
Civis como Jonathan Naylton dos Santos, primo de um dos cabos, e os receptadores Jessé Fidelix (apelidado de “Capixaba”) e André Fernandes de Oliveira atuaram diretamente nas negociações com os traficantes. Um sítio em São Roque também foi usado para esconder parte do armamento antes da distribuição.
Operações policiais e rastreamento das armas furtadas
A descoberta do furto só veio à tona em 10 de outubro, mais de um mês após o crime. A essa altura, as armas já haviam sido parcialmente distribuídas. A Polícia Civil de São Paulo e do Rio de Janeiro recuperou 20 das 22 metralhadoras, com base em investigações e denúncias anônimas.
No dia 19 de outubro, oito armas foram apreendidas na Comunidade da Gardênia Azul, no Rio. Em 1º de novembro, outras três foram localizadas na Praia da Reserva, também na capital fluminense. As demais foram encontradas em São Roque, interior de São Paulo.
Duas metralhadoras calibre .50 ainda permanecem desaparecidas. O Comando Militar do Sudeste informou que revisou os protocolos de segurança após o ocorrido, reforçando o controle de acesso e a fiscalização nas unidades de armazenagem de armamentos.
Justiça Militar condena envolvidos com penas severas
A Justiça Militar analisou os autos com base no Inquérito Policial Militar (IPM) e nos laudos periciais das armas e cenas do furto. As condenações refletem a gravidade dos atos e o impacto para a segurança nacional.
Os dois ex-cabos foram sentenciados a 17 anos e 4 meses de prisão em regime fechado por peculato-furto, crime previsto no Código Penal Militar. Já o tenente responsável pela ordem que facilitou a fuga sem revista foi condenado a nove meses de detenção — três por inobservância de regulamento e seis por peculato culposo.
O tenente-coronel Rivelino Barata, então diretor do AGSP, recebeu uma pena disciplinar: seis meses de suspensão do exercício de suas funções por negligência ao não exercer o comando efetivo sobre a unidade. Ele permanece no Exército, mas responde a processo que pode levar à expulsão.
Entre os civis, quatro foram condenados a penas que variam entre 14 e 18 anos de reclusão por comércio ilegal de arma de fogo. Os valores das penas refletem qualificadoras como organização criminosa, uso de arma de uso restrito e intenção de revenda internacional.

Falhas sistêmicas e lições para o futuro
O caso julgado pela Justiça Militar não expõe apenas a corrupção de alguns indivíduos. Ele evidencia fragilidades sistêmicas no controle de arsenais do Exército Brasileiro, especialmente em momentos de baixa supervisão, como feriados e trocas de comando.
Além disso, coloca em foco a vulnerabilidade dos protocolos internos, que podem ser burlados com ordens verbais ou omissões de comando. As consequências vão muito além do ambiente militar, atingindo diretamente a segurança pública, já que armas de guerra foram parar nas mãos de facções.
O Comando Militar do Sudeste declarou ter adotado novas medidas de controle após o episódio. No entanto, o caso gera questionamentos sobre a eficácia dessas ações e sobre a necessidade de auditorias externas em arsenais militares.
A atuação da Justiça Militar em punir severamente os envolvidos é uma resposta importante, mas não resolve o problema de fundo. O país precisa de políticas de prevenção mais rígidas e de transparência no acompanhamento de processos internos relacionados a armamentos.
POR: G1-SP