As Forças Armadas brasileiras enfrentam uma crise silenciosa, mas extremamente grave: a falta de previsibilidade e de recursos no orçamento da Defesa Nacional. O tema, antes tratado com discrição nos bastidores, hoje domina as conversas nos gabinetes militares e no Ministério da Defesa, comandado por José Múcio Monteiro. A recente decisão do governo de congelar R$ 2,6 bilhões do orçamento da pasta agravou o cenário, comprometendo áreas operacionais críticas, como a logística e o abastecimento de aeronaves militares.
A situação se tornou tão alarmante que interlocutores militares passaram a tratar a questão como uma ameaça direta à capacidade de defesa do país. A escassez de recursos para custeio de atividades básicas, como missões aéreas de patrulhamento e treinamento de tropas, acende um alerta não apenas operacional, mas estratégico.
Verba travada e impacto imediato nas operações militares
A falta de orçamento militar não é uma novidade nas discussões de alto escalão, mas o congelamento recente trouxe efeitos imediatos. Um dos pontos mais críticos é o risco de desabastecimento de combustível para aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB) nas próximas semanas. Isso pode resultar na suspensão de voos operacionais, afetando desde missões de defesa do espaço aéreo até ações humanitárias e de monitoramento de fronteiras.
Em reuniões internas, o ministro da Defesa, José Múcio, foi direto: o problema não é apenas o valor cortado, mas a imprevisibilidade orçamentária. A instabilidade impede qualquer tipo de planejamento a médio e longo prazo. A cada novo contingenciamento, os comandos militares precisam redesenhar escalas, adiar exercícios e limitar treinamentos.
Para a cúpula das Forças Armadas, a solução viável a curto prazo seria a aprovação da PEC da Previsibilidade, que estabelece investimento mínimo de 2% da Receita Corrente Líquida (RCL) da União para a área de defesa. A proposta, de autoria do senador Carlos Portinho (PL-RJ), ganhou apoio significativo nos círculos militares por estabelecer um piso mínimo constitucional que daria estabilidade ao financiamento da Defesa.
PEC da Previsibilidade: solução técnica e política para o impasse
A proposta de emenda à Constituição que vincula o orçamento militar a um percentual fixo da Receita Corrente Líquida tem como objetivo oferecer previsibilidade orçamentária às Forças Armadas, algo visto como essencial para o funcionamento pleno do setor. A RCL, por definição, corresponde à arrecadação federal líquida, descontados os repasses obrigatórios para estados e municípios. Vincular 2% dessa receita à Defesa proporcionaria estabilidade financeira e reduziria a dependência de decisões políticas pontuais.
Inicialmente, houve a ideia de atrelar os gastos em Defesa a 2% do Produto Interno Bruto (PIB), como recomendado pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). No entanto, essa proposta foi rapidamente descartada. Tal vinculação ultrapassaria os valores destinados a setores essenciais como saúde e educação, o que tornaria a proposta inviável do ponto de vista político e social no Brasil.
Ainda assim, a PEC da Previsibilidade enfrenta desafios no Congresso. Com o recesso parlamentar se aproximando e as atenções voltadas para o Fórum Parlamentar dos BRICS e as festas juninas nas bases eleitorais, a tramitação da proposta pode ser adiada. O ministro José Múcio vem tentando articular a aprovação junto ao relator da proposta, Randolfe Rodrigues (PT-AP), e ao líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA). No entanto, o tempo joga contra os interesses da Defesa.

Alertas públicos do Exército e o risco à soberania nacional
A insatisfação com o quadro atual deixou os bastidores e ganhou visibilidade nos discursos dos próprios comandantes das Forças. Em abril, durante uma cerimônia oficial ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o comandante do Exército, general Tomás Paiva, foi enfático ao apontar a escalada global nos gastos com defesa como um sinal de alerta para o Brasil. Ele destacou que a proteção dos cidadãos e dos ativos estratégicos do país requer atenção redobrada e investimento compatível com os desafios do século XXI.
Na mesma linha, o chefe do Estado-Maior do Exército, general Richard Nunes, declarou em entrevista ao jornal Estadão que a principal dificuldade enfrentada não é apenas o valor limitado do orçamento, mas sim a falta de previsibilidade orçamentária. Isso dificulta, segundo ele, qualquer planejamento eficaz, já que os recursos disponíveis sofrem variações constantes, muitas vezes inesperadas, ao longo do ano fiscal.
A crítica direta dos principais generais evidencia o desconforto institucional com a situação e reforça o argumento de que a crise orçamentária já ultrapassou os limites aceitáveis. O risco, agora, é a perda de capacidade operacional em momentos críticos, o que compromete diretamente a soberania nacional e a prontidão das Forças Armadas para reagir a ameaças ou atuar em emergências civis.
O impacto da crise orçamentária na estrutura da Defesa
Além das operações de rotina, a falta de orçamento militar compromete áreas fundamentais como manutenção de equipamentos, aquisição de peças, renovação de frotas e programas estratégicos de modernização. Projetos como o Prosub (Programa de Desenvolvimento de Submarinos), o SISFRON (Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras) e o KC-390 Millennium, aeronave de transporte tático da FAB, correm risco de desaceleração ou paralisação caso os cortes persistam.
Outro ponto sensível é o impacto sobre os efetivos militares. A limitação de recursos pode afetar diretamente a formação e o treinamento de novos recrutas, reduzindo a qualidade e a quantidade da tropa disponível. Também limita a atuação em missões internacionais de paz, cooperação logística com países parceiros e participação em eventos multilaterais, fundamentais para o prestígio e a inserção do Brasil na comunidade de Defesa global.
Vale lembrar que, nos últimos anos, o Brasil tem enfrentado pressões crescentes para melhorar sua capacidade de defesa cibernética, investir em vigilância aeroespacial e garantir a proteção da Amazônia — uma área estratégica sob constante observação internacional. Sem orçamento adequado, todas essas frentes ficam vulneráveis.