Desde o início do conflito entre Ucrânia e Rússia, as negociações envolvendo troca de prisioneiros de guerra se tornaram um dos poucos pontos de consenso entre as duas nações em confronto. Em um cenário de intensos embates militares e diplomáticos, o presidente ucraniano Volodimir Zelensky anunciou nesta segunda-feira (9) o início de uma nova operação de repatriação de combatentes. Segundo ele, essa nova etapa será conduzida em fases ao longo dos próximos dias.
Essa movimentação ocorre em um momento delicado das relações entre Moscou e Kiev, com os canais de negociação frequentemente tensos, interrompidos ou contaminados por acusações mútuas de descumprimento de acordos. Ainda assim, a repatriação de prisioneiros continua sendo vista como uma das poucas válvulas humanitárias possíveis dentro do atual quadro geopolítico.
Troca de prisioneiros: um gesto humanitário em meio ao colapso diplomático
As trocas de prisioneiros entre Rússia e Ucrânia têm sido um dos raros pontos tangíveis de avanço nas conversas de paz, desde que a guerra foi deflagrada pela invasão russa em fevereiro de 2022. Embora as negociações para um cessar-fogo duradouro ainda estejam em impasse, os acordos sobre a libertação de soldados capturados e a repatriação de corpos de combatentes mortos vêm sendo tratados como prioridades pelas partes envolvidas.
De acordo com Zelensky, a nova operação de troca de prisioneiros de guerra foi iniciada no início da semana e será realizada em etapas. O presidente ressaltou que as tratativas continuam de forma quase diária com representantes russos, mas evitou divulgar números exatos sobre os militares envolvidos. Ele limitou-se a afirmar que entre os repatriados estão feridos, gravemente feridos e soldados com menos de 25 anos.
Esse critério humanitário, acordado em parte das rodadas de negociação anteriores, inclui a devolução prioritária de soldados incapacitados para o combate ou de idade inferior ao padrão médio de recrutamento. Apesar disso, Zelensky fez duras críticas ao que classificou como “jogo político sujo” por parte da Rússia, acusando o Kremlin de atrasar e dificultar a execução do acordo.
Por sua vez, o Ministério da Defesa russo confirmou a troca em curso, mencionando que ela está amparada por compromissos firmados em Istambul no dia 2 de junho. A cidade turca tem se posicionado como um dos principais palcos de diálogo entre os dois países, servindo como mediadora neutra em negociações sensíveis desde 2022.
O impasse da guerra e o papel estratégico das trocas de prisioneiros
A guerra entre Rússia e Ucrânia já ultrapassou dois anos, com centenas de milhares de baixas e um impacto geopolítico profundo no Leste Europeu e no sistema de segurança internacional. Nesse cenário, a troca de prisioneiros tem um peso simbólico e estratégico importante.
Do ponto de vista militar, a repatriação de combatentes — especialmente os feridos — alivia a pressão sobre o sistema de saúde militar e serve como fator de motivação psicológica para as tropas em campo. Já sob o prisma diplomático, a efetivação de acordos de troca permite manter abertas as linhas de contato entre as partes, mesmo que não se chegue a um acordo mais amplo para cessar as hostilidades.
Ainda que limitada, essa ação representa uma tentativa de respeitar convenções internacionais de guerra, como os princípios da Convenção de Genebra, que regulam o tratamento de prisioneiros. Especialistas destacam que, mesmo em guerras de alta intensidade como a que ocorre entre Rússia e Ucrânia, preservar o respeito por essas normas é crucial para evitar a completa degradação das relações internacionais e futuras reconciliações.
Entretanto, o processo não é simples. No fim de semana anterior ao anúncio de Zelensky, houve um impasse público entre as delegações. O governo ucraniano acusou Moscou de não liberar todos os soldados que se enquadram nos critérios acordados, enquanto a Rússia afirmou que a Ucrânia estaria retendo os corpos de mais de 1.200 soldados russos mortos, armazenados em caminhões refrigerados próximos à fronteira.
Essa troca de acusações reforça a fragilidade dos compromissos firmados e o ambiente de desconfiança mútua. Mesmo assim, ambas as partes mantêm interesse nas trocas como ferramentas de pressão política interna e projeção externa. Zelensky, por exemplo, costuma divulgar imagens dos soldados retornando ao país como parte de sua estratégia de comunicação voltada para a coesão nacional e o moral das tropas.
Acordos de Istambul: mediação turca e números ainda incertos
O acordo mencionado por Zelensky e pelo Ministério da Defesa da Rússia foi resultado de uma rodada de negociações mediada pela Turquia, em Istambul. Esses encontros vêm ocorrendo de forma pontual desde o início da guerra, com a Turquia tentando se manter como ator neutro e confiável para ambos os lados.
Na ocasião, foi anunciado que mais de 1.000 soldados seriam trocados, incluindo prisioneiros gravemente feridos e combatentes em condições médicas precárias. A proposta também previa a devolução de corpos de militares mortos, um ponto extremamente sensível tanto para famílias quanto para o comando militar das nações envolvidas.
A execução prática, no entanto, mostrou-se mais complexa. A dificuldade em garantir corredores humanitários, os constantes bombardeios em áreas logísticas e as divergências sobre listas de nomes criaram sucessivos atrasos e desconfianças. Ainda assim, o fato de as trocas seguirem acontecendo é visto como um sinal de que, apesar do conflito armado, há margem para ações coordenadas com base em critérios humanitários.

Em muitos casos, as trocas também incluem elementos de inteligência militar. Isso porque o retorno de soldados presos pode ser importante para obter informações estratégicas do campo inimigo. Por isso, a seleção dos prisioneiros a serem devolvidos também passa por filtros técnicos e políticos, o que torna o processo ainda mais lento e disputado.
Além disso, existe um componente psicológico e midiático que não pode ser ignorado. Tanto Zelensky quanto Putin utilizam as trocas como formas de mostrar “boa vontade” à comunidade internacional ou reforçar o compromisso com suas tropas. São gestos que, embora pontuais, ajudam a manter algum nível de legitimidade e controle narrativo frente às suas populações e aliados externos.