O porta-aviões São Paulo da Marinha do Brasil representa uma história de altos e baixos, marcada por polêmicas, gastos vultuosos e um fim trágico. Adquirido pelo Brasil em 2000, o navio de guerra francês nunca conseguiu operar adequadamente, resultando em um ciclo de falhas, acidentes e um descarte que gerou um impacto ambiental significativo. Neste artigo, vamos explorar a polêmica compra do porta-aviões São Paulo, os custos envolvidos e as consequências dessa decisão para a defesa nacional do Brasil.
A Compra do “Sucatão Francês”: O Investimento de US$ 12 Milhões
Em 2000, o Brasil decidiu adquirir o porta-aviões francês FS Foch, comissionado pela Marinha Francesa em 1963. O navio, que passou a se chamar São Paulo, foi comprado por um valor relativamente baixo de US$ 12 milhões, com o objetivo de substituir o antigo NAeL Minas Gerais, um porta-aviões também de origem francesa, porém com desempenho já comprometido. O São Paulo foi visto como uma grande oportunidade para a Marinha do Brasil, pois, com suas características, ele era mais moderno, com maior capacidade de operação e mais adequado para os caças A-4 Skyhawk da força.
Porém, o preço de aquisição baixo foi um indicativo dos altos custos de manutenção que o navio enfrentaria. Embora fosse uma solução imediata para a necessidade de um novo porta-aviões, o São Paulo trouxe à tona um problema estrutural que se tornaria evidente ao longo dos anos: a aquisição de material de defesa usado pode acarretar problemas de manutenção e operar de forma eficiente.
A História de Falhas Operacionais e a Inatividade do Navio
O porta-aviões São Paulo começou sua carreira com muitas expectativas, mas logo foi evidente que o navio não estava apto a cumprir os objetivos para os quais foi adquirido. Em 17 anos de operação, o navio passou apenas 206 dias efetivos no mar. Isso se deve a diversos problemas técnicos que o impediram de operar de forma contínua. O São Paulo nunca conseguiu operar por mais de três meses sem precisar de reparos. Uma das falhas mais significativas ocorreu em maio de 2005, quando uma explosão em uma tubulação de vapor resultou na morte de três marinheiros e feriu outros. O acidente abalou a Marinha do Brasil e comprometeu ainda mais a confiança na capacidade operacional do navio.
O impacto da falha na operação do São Paulo foi intensificado pelo fato de que, em 2014, a Marinha do Brasil anunciou um plano de modernização do navio, com investimentos superiores a R$ 1 bilhão. No entanto, devido aos custos elevados e incertezas técnicas, o projeto foi abandonado em 2017. A desativação do São Paulo foi finalmente decidida, marcando o fim de uma era frustrada para a Marinha do Brasil.
O Afundamento Trágico e Controverso
Após sua desativação, o porta-aviões São Paulo foi colocado à venda em 2021 e arrematado pela empresa turca Sök Denizcilik por cerca de US$ 10,5 milhões, com a intenção de ser desmontado na Turquia. O navio partiu do Rio de Janeiro a reboque em agosto de 2022, mas a viagem foi interrompida perto de Gibraltar. O governo turco revogou a autorização de importação do navio, alegando preocupações com a quantidade de amianto e outros materiais tóxicos a bordo. De acordo com o inventário brasileiro, o navio continha 9,6 toneladas de amianto, mas especialistas e ONGs internacionais suspeitavam que a quantidade real fosse muito maior, similar à quantidade presente no navio-irmão Clemenceau, que tinha mais de 600 toneladas de amianto.
Com a recusa da Turquia em receber o navio e a proibição de atracar em portos brasileiros, o São Paulo foi deixado à deriva na costa de Pernambuco, causando um impasse diplomático e ambiental. Em janeiro de 2023, a Marinha do Brasil assumiu o controle do navio, e decidiu realizar um afundamento planejado e controlado a 350 km da costa, em uma área com 5.000 metros de profundidade.
Essa decisão gerou polêmica e críticas de especialistas e organizações ambientais, como o Greenpeace e o Sea Shepherd, que acusaram a Marinha do Brasil de violar tratados internacionais de proteção ambiental, incluindo as Convenções de Basileia, Londres e Estocolmo. O afundamento do São Paulo levou para o fundo do mar toneladas de amianto, PCBs, chumbo, mercúrio e outros poluentes perigosos.
O Prejuízo Financeiro e o Legado Estratégico
A saga do porta-aviões São Paulo representou um enorme prejuízo financeiro para o Brasil. Além do custo de aquisição de US$ 12 milhões, o país gastou grandes somas com a manutenção do navio, o que não foi suficiente para torná-lo operacionalmente eficaz. Quando a operação do São Paulo foi descontinuada, o Brasil já havia investido recursos significativos sem obter o retorno estratégico desejado.
A Marinha do Brasil, após a falha do porta-aviões São Paulo, reorientou suas prioridades para programas de submarinos e a construção das novas Corvetas Classe Tamandaré, focando em projetos mais eficientes e com melhor custo-benefício. O episódio do São Paulo levantou importantes questões sobre a capacidade do Brasil de operar porta-aviões de grande porte e ressaltou a necessidade de um planejamento mais cuidadoso para a aquisição de materiais de defesa, levando em consideração o ciclo completo de vida útil e descarte desses ativos.
A Lição da “Sucata Francesa”
A história do porta-aviões São Paulo serve como uma valiosa lição estratégica para a defesa nacional do Brasil. A decisão de adquirir um navio de guerra usado, sem considerar os custos elevados de manutenção e os riscos associados a sua operação, demonstrou a importância de se fazer uma análise aprofundada antes de tomar decisões tão impactantes. Além disso, o episódio também reforça a necessidade de se planejar de forma eficaz o descarte de materiais de defesa, levando em conta os impactos ambientais e as questões legais internacionais.
O futuro da defesa nacional do Brasil exige uma abordagem mais cautelosa e bem planejada, especialmente no que diz respeito a aquisições de equipamentos militares usados e ao processo de desativação e descarte de ativos obsoletos. O caso do São Paulo é um lembrete de que, em tempos de recursos escassos, cada decisão precisa ser tomada com a máxima precaução.